A escada velha de madeira encostada ao tronco da árvore faz crer que ainda há vida. Aqui, ali, lá. Antes, agora e depois. Contigo e, ainda assim, sem ti. Faz crer que ainda há vida, sem ti. Quando lanço o olhar, além da janela, salto mentalmente da varanda e caio como um gato, de pé e com sete vidas (o que não sei se quero ter), no jardim. Quando lanço o olhar além desse vidro alto vejo-te percorrer o carreiro antigo.
Vejo-te como se estivesse louca, mas sem o estar. Eu sei que não estou. Não estamos. Não estão.
Quando lanço o olhar além da janela interrogo-me… porque insisto em abrir o portão durante o dia? Mas… se ninguém me chega? Ninguém me vem visitar? A casa cheira à perda… O tempo passa e marca o compasso do suposto “já devia estar tudo bem”. A incompreensão rodeia-me. Estendem-se braços e mãos infinitas e ombros bons e abraços calorosos, numa quase fusão de almas ligadas pelas linhas das lágrimas… no entanto, uma semana, um mês, dois meses, um ano depois: “Tudo já deveria estar bem”. Não entendo… dói muito. Dói a quem carrega a perda, porque o vazio será transformado com contornos mais leves mas não deixa de existir. Porque é que tudo existe para ser negado?
A casa deve cheirar a morte, a lembranças. Deve cheirar.
As pessoas devem ter medo. Devem ter.
Eu… não. Eu alcanço-te no silêncio dessa minha rouquidão, que te chama com a lembrança, com a imaginação. Nós todos, um dia, depois desta caminhada alcançaremos essa lembrança.
Imaginar é diferente de lembrar. Mas a procura é permanente. A procura, um acto, uma vontade intrínseca, uma chama pura e ardente de nós para um mundo que de repente parece vazio. Na perda de alguém, ou algo, a eterna procura. Procurar obriga-nos a bombear sangue ao coração. Procurar, procurar por quem perdemos. Falar, falar de quem perdemos. Lembrar, lembrar. Tudo, num cansaço hercúleo, um sentimento de pertença que nos falha. De tanto procurar pode ser que um dia consigamos pertencer.
A escada velha de madeira faz crer que alguém a trepa, mesmo que só de vez em quando, mesmo que com medo das alturas, mesmo que olhando sempre para baixo… Mas, não se olha para baixo para ver se caímos, porque isso sente-se na hora, com a dor, com o relâmpago do impacto. Olha-se para baixo, com medo que o chão já não esteja lá, que tenha desaparecido como fumo num dia de nevoeiro. Há vezes em que o chão se some no ar, funde-se no vento e deixa-nos no vácuo. Como quando os vemos partir. Como quando dizemos adeus depois de um beijo. Como quando descobrimos a metamorfose da relíquia do primeiro amor. Como quando olhamos o sol que se põe.
Há vezes em que se sobe a escada (como se não bastasse ser velha e perigosa) e se olha para baixo. A medo. Não de cair… Olha-se para baixo na procura, mortificada, de descobrir se ainda há quem nos segure. De imaginar o chão, de acreditar que mesmo sem ver a base, a escada pode estar segura. Acreditar sem ver. É a maior prova que nos fica depois da morte… Acreditar-vos: algures pendente num purgatório intranquilo, instável mas possível…
Sem eles, sem ti, vocês sem eles, vivemos no possível. Nem no bom, nem no mau, nem no ter ou não ter, mas no possível. Um possível que um dia será mais nostálgico do que doloroso… Mais nostálgico, do que doloroso. Respirem fundo.
Imaginem o mar: longo, infinito, azul na certeza da limpeza, tranquilo, apelativo. A água pura, como tento sentir dia após dia, o que tantas vezes falha, chama e embala. Um dia, no mar tranquilo, apelativo. E imagino que caminhas até mim. Falas-me como se não tivesses morrido. Tocas-me na alma e renovas a força do coração.
Há futuro.
Ana Rocha S.
Lindo... fantástico... real... pelo menos até à parte do doloroso... estou ansiosamente à espera do nostálgico... com a certeza que esse momento chegará e irei recebê-lo com o maior dos meus sorrisos, dar-lhe-ei um abraço e acalmarei o meu corpo, a minha mente... o meu coração :)
ResponderEliminarParabéns*
Iolanda