A APELO deseja a todos a possibilidade de (se) descobrirem (em) férias


Férias são como feriados seguidos, ligados como correntes de rebuçados: com tamanha ânsia de começar que até se pode ficar atordoado com o excesso de açúcar que invade a alma. O cérebro alucinado pelo vazio repentino da pausa.
Férias não são férias de algo, são a porta aberta para procurar o caminho que (antes, já em nós) se silencia no som do relógio das rotinas.
(Alguns dias de) Férias são abraços de mães e filhos todos agarradinhos ao coração, sem apertar muito, sem sufocar… Mas com medo do fim…
Férias são cerejas que nos agarram as mãos juntinhas e não nos deixam contentar só com uma.
Férias são fotografias antigas descobertas numa arca velha, cheia de pó de amor e memórias.
Férias são passeios no balanço do ar fresco do fim de dia ou raiados pelo sol da manhã: passos seguros do repouso do corpo, do sossego da alma, da pacificação (esforçada) do pensamento.
Férias são relógios roubados ao tempo e lançados ao mar, pijamas prolongados no dia, lençóis gastos do sono, água enamorada do corpo e pés descalços na terra.
Férias são telefonemas para o céu que habita em nós e que se esconde pelas nuvens dos afazeres e das tarefas e das obrigações e das responsabilidades e do “tem de ser”, “agora não posso”, “Fica para amanhã ou outro dia?”. Fica… Fica sempre alguma coisa nem que seja o pensamento preso na corda de rapel, entre o real e o sonho.
Férias não deixam ninguém ficar preso no amanhã.
Férias são revistas cor-de-rosa. Não essas, estas: as que se fazem com o bordado dos sonhos, as que se encandeiam de desejos de aconchego e ganham asas de anjos memorizados. As que se desenham com lápis de colorir novinhos em folha e trazem afiadeiras com princesas e caixinhas discretas para preservar o lixo da afia. As que ficam a cheirar bem como o pão-de-ló amarelinho, de ovos caseiros, a sair do forno. As que vestem vestidinhos brancos, leves e soltos e sobem com o vento obrigando-nos a fugir dos seus beijos não vá descobrir-se a cor das cuecas!
Férias são danças em passos de bebé, sem pedir licença para saltar para o baloiço (pendurado de uma nuvem) e dar aos pés criando ritmos cardíacos de afectos expressos no corpo.
Férias são pessoas, gente, terras, lugares, sítios, nichos, ninhos em mim, em ti, em nós. Nós, que fomos. Nós, os que hão-de vir.
Férias não são pausas, nem buracos negros no espaço da existência de cada um.
Férias são histórias escritas em livros que mesmo não sendo novos, trazem cheiro a novo: criam a esperança de recomeço, de renovação, de viagem interna. Entrar e sair de nós, desenhar os dias em palavras, entrelaçar páginas soltas no livro. Entrelaçar o que e os que guardamos em nós. Dar-lhes ar, respirar neles e com eles. De novo. E ainda. Escrever (em silêncio, pensando-os e pensando-nos). Descobrir o final feliz e seguir caminhando com ele debaixo do braço, dentro da memória, ao lado do coração, em cima do céu que “carregamos”.
Férias também são incêndios: dentro de nós. Quando a saudade arde.
Férias são tempos. Permissão de tempo. Momentos. Escuta de cada momento e assim a criação radiofónica de vontades: ler, escrever, sentir, dançar, curar, caminhar, respirar, amar, lembrar, abraçar, desejar, sonhar. Ser.
Férias também podem ser águas em nós, quando acalmam o incêndio brotando dos olhos as fontes.

F de fonte de paz (procurada), família.

E de etéreo. Eternas pessoas em nós.

R de rir muito, com cócegas desde os pés ao coração saindo pela pontinha dos cabelos gastos pelo sol que irradia dos olhos de quem nos quer bem.

I de ir e galgar pelas ruas que se traçam dentro de cada um. Descobrirmo-nos assim.

A de amor presente, lembrado, tangível, pensado.

S de sabor: gelado de limão e caramelo e café e ainda regado pelos braços de um mar de chocolate derretido.


Ana Rocha S.